Meu irmão d’alma II

Não me reconheces.

Prendeste-te aos demónios do passado, negaste-te a aceitar a minha mão.
Temo não saber mais que fazer, pois a seiva da vida impele-me deixar-te para trás.

Recordo-me de quando éramos crianças, das horas passadas no café, das noites em claro a conversar.
Como poderás ter esquecido tudo isto?
Como poderás abandonar sem remorso nem sacrifício tudo aquilo que fomos?

Companheiros das horas boas e más, amigos, irmãos, o braço, a mão, o ombro, o corpo que estava lá, por mais negra a hora. A verdade imutável, que nos consolava a alma inquieta.

Fomos correr o mundo até onde o dinheiro chegava. Fomos a terras de Espanha, vimos os Mouros de cá e os de lá.
Dançamos, cantámos, contamos estrelas e histórias de encantar.
Sonhamos mais alto do que o mundo inteiro possa imaginar!
Só parávamos quando o cansaço já não perdoava.
Fizemos projectos para nunca cumprir.
Amamos, choramos, zangámo-nos…
mas nunca nos abandonamos.

Até hoje.

Hoje percebi que já não tens fé em nós. Que te esqueceste. Que já passou. Que fechaste o livro e o arrumaste na estante.
Como?
Eu nunca vou conseguir fechar-te as portas. Não importa o tempo, nem o espaço, nem a época.

Só magoa saber que já não sabes quem eu sou. Que me esqueceste. Como se esquece um herói da tv ou um hit de Verão.
Que já só me vês preta. Vazia. Cinzenta.

É estranho saber isto quando acabo de renovar forças para te procurar. Para querer partilhar mais uma vez contigo as alegrias que a vida me traz todos os dias.
Que, apesar de viver rodeada de pessoas encantadoras, és tu aquele que só, só tu realmente via.
Via com os meus olhos, a beleza e as maravilhas que vivenciava a cada dia.
Eras.

Pol in B, by Durutti Column

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